sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Meia cansada


Para mim, meia cansada deve ser algo assim: meia de maratonista ou aquela que os alunos menos preocupados com a higiene pessoal usam durante duas semanas seguidas de aula, jogando bola todo dia no recreio e maltratando ainda mais a pobrezinha nas aulas de educação física. É. Para mim, isso é uma meia cansada.

Mas, para boa parte da população, meia cansada é aquela mulher que passou o dia trabalhando e, por educação, para não dizer que está muito cansada na hora de recusar um convite à noite, diz "Trabalhei demais hoje e tô meia cansada". Mas existe, também, a música que é meia ruim, a pessoa que é meia fechada, meia chata e por aí vai. Tem meia pra todos os gostos.

Ontem, quinta-feira, fui caminhar no Parque da Jaqueira com o namorado e brinquei com ele dizendo que "Hoje eu tô meia cansada". Como eu estava voltando da musculação, ele riu e perguntou: "Malhou qual metade hoje?". De fato, havia feito apenas exercícios para a parte inferior do meu corpo (que não chega bem a ser a metade, mas que quebra o galho e ajuda na piada).

Alguns que estão lendo esta postagem podem não estar entendendo aonde pretendo chegar, mas não é de todo complicado. O lance, pessoal, é que meia não serve para dizer a intensidade do quanto uma pessoa/coisa é chata, fresca, fria, sem graça. Meia é uma palavra que pode indicar quantidade e, mais especificamente, a metade de alguma coisa (numeral): muitas mulheres depilam meia perna (só a parte do joelho para baixo, para os leigos), pessoas comem meia jaca (é, há quem coma até uma inteira); mas também pode indicar aqueles objetos simpáticos e úteis que usamos nos pés. Aí, nesse último caso, elas podem ser meias lisas, estampadas, confortáveis, de algodão... e isso, por favor, não significa que só metade delas é lisa, ou estampada, ou confortável, ou de algodão. No caso das peças de vestuário, a palavra meia é um substantivo, daqueles tão comuns que acabaram caindo na boca da geral para uso indistinto.

Se você é das pessoas que têm dúvida na hora de dizer que está meia cansada ou meio cansada, é só trocar meia/meio por muito. Tenho a certeza de que jamais dirá "estou muita cansada", "ela é muita chata". Né mesmo? ;)

Então ficam as dicas:

meio
(latim medius, -i, meio, metade)
adjetivo.
1. Que indica a metade (de um todo).
2. Que está numa posição intermédia. = meão, mediano, médio
3. Que tem fraca intensidade. = moderado
substantivo masculino
4. Parte ou ponto equidistante das extremidades ou do princípio e fim. = metade
5. Ponto central. = centro
6. Lugar onde se vive. = ambiente, esfera
7. Modo, via, possibilidade.
8. Expediente, arte, ardil.
9. Agente.
10. Intervenção, auxílio.
11. Condição, circunstância.
12. O que estabelece comunicação.
advérbio.
13. Mais ou menos, um tanto, um pouco, não de todo, quase (ex.: deixou a porta meio aberta).


meia
(redução de meia dúzia)
substantivo masculino / numeral
Bras. O número 6.


meia 
(redução de meia-calça)
substantivo feminino
1. Peça de roupa que cobre o pé e parte da perna.
2. Ponto de malha com que se faz essa peça.

(http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx?pal=meia)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Bánãna ou Bãnãna?

Isso de ser nordestina e morar no Sudeste tem umas coisas engraçadas. De início, achei que pudesse ser discriminada, especialmente pelo sotaque, porque é sempre a primeira coisa a ser notada. Redondamente enganada estava eu, porque fui pra lá de bem recebida e os mineiros acham "moh bonitin" especialmente quando mando "um cheiro" pra alguém.

Mas o lance é o seguinte: certa vez estava em um bar e o namorado de uma das meninas presentes era baiano. Ele ficou feliz e meio ao me ouvir pedir uma "cãneta" ao garçom. Para quem não sabe, em algumas regiões do Brasil, especialmente em Minas Gerais, as consoantes nasais não interferem, necessariamente, nas vogais anteriores a elas. Como assim? Vamos lá:

Antes de mais nada, é importante que as pessoas estejam atentas àquilo que nos ensinaram na escola: vogal não é letra; consoante não é letra. Letras são as representações gráficas e, sem falar muito bonito (antes que fonologistas/foneticistas me condenem!), vogais e consoantes são os sons. Ok?

A palavra caneta apresenta uma consoante nasal, /n/. Para nós, nordestinos, quando, depois de uma vogal,  na sílaba seguinte, há uma consoante nasal, essa consoante interfere na vogal e esta também se torna nasal. Por isso, falamos [kã.'nê.ta] e [bã.'nã.na]. *A representação fonética não está correta, mas a ideia é que todos compreendam.
Para os mineiros, porém, as consoantes nasais não interferem indistintamente. Aí, certo dia, meu primo me indaga, revoltado:

- O certo é BÁNÃNA ou BÃNÃNA? Lá na Agência, a galera tá tirando onda comigo e eu tô tentando provar a eles que o nosso jeito de falar é muito mais coerente. A gente nasaliza logo tudo e eles só nasalizam de vez em quando. Tudo bizarro! Falam "bánãna", mas por que não falam "cáma"?

Aí eu pedi paciência a ele e pedi para explicar.

O que acontece é assim: para os mineiros, a consoante nasal que vem no início de uma sílaba só interferirá na vogal anterior se, e somente se, a vogal estiver na sílaba tônica. ;) Captou? Não? É assim:

Em banana, temos duas sílabas "na". Por que, para os mineiros, somente o "a" do meio é nasalizado? Somente porque é o "na" do meio é a sílaba tônica! Então a consoante /n/ da última sílaba consegue interferir na nasalização do segundo "a". Aí, no caso da palavra cama, o primeiro "a" é nasalizado porque está na sílaba tônica, logo, a nasal /m/ interfere nela e ficamos todos iguais: ['kã.ma].

Aí, pra resumir, se em camelo a sílaba tônica é "me" e, depois dela, não há consoante nasal, não faz sentido, pro linguajar mineiro, nasalizá-lo e, consequentemente, a vogal /a/ também não será nasal, por não estar na sílaba tônica.

No fim das contas, não tem certo ou errado, nem adequado ou inadequado. É só variação fonética e ninguém é mais ou menos coerente que ninguém, como queria provar o meu primo.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Está ou estar?

Essa é uma dúvida que assola boa parte da população brasileira que sabe (?) escrever. Tanto quanto "mau com U" e "mal com L", os verbos no infinitivo pessoal causam estranhamento na hora em que muitas pessoas resolvem colocá-los por escrito.

Para explicar a diferença, preciso comentar um episódio que presenciei. Pasmem, ele é real!

Certa vez, cruzei com um texto em que estava escrito, em um diálogo: "Mas quem sou eu para estar falando isso?" Curiosamente, esse texto já havia passado pela correção de um professor de português. Nós, professores de português, somos mortais e não somos obrigados a acertar 100% dos casos. Isso é bem tranquilo, na maioria dos casos. Mas há situações em que não dá pra lembrar dessa nossa mortalidade e esse episódio foi um desses casos.

Pois bem. O texto havia passado pela correção de um professor, que circulou o verbo estar e sugeriu a correção (correção? Oi?) está. Ingenuamente, caí na besteira de comentar que a correção era equivocada. Por quê? O professor, com uns 20 anos de sala de aula, se encheu de direitos e veio tentar-me provar que o engano era meu. Não satisfeito com o fato de eu não engolir as regras que ele estava criando para me explicar por que EU estava enganada, muniu-se de uma gramática e conseguiu cair ainda mais no meu conceito.

Então agora eu explico a questão:

Na construção "Quem sou eu para está/estar falando isso?", encontramos uma locução verbal. Locução, para quem não lembra, é quando duas ou mais palavras se unem para transmitir a ideia de uma só. Quando dois verbos se unem nesse matrimônio, o segundo verbo transmite a ideia principal e o primeiro vai indicar o tempo, modo e pessoa em que o verbo principal (o segundo!) estaria se estivesse sozinho.  Aí, no caso, o verbo principal deve estar em uma das formas a que chamamos de formas nominais. Complicou? Simplifiquemos:

Se a estrutura fosse "está falando", teríamos que simplificá-la para o verbo falar, de forma que ele ficasse no mesmo tempo (presente), modo (indicativo) e pessoa (3ª do singular) do verbo "está". Logo, teríamos: FALA. Afinal, eu falo, tu falas, ele fala, né? Aí, teríamos: "Quem sou eu para fala isso?" Mas... quem 'fala' é 'ele'.

Aí vem o raciocínio padrão da maioria dos pensantes: se a estrutura equivale a "estar falando", é porque eu diria "quem sou eu para falar isso?", né mesmo?

Essa dúvida normalmente existe com os verbos estar, dar, ler e ver, que eu lembre neste momento. Tem gente que sai jogando acento pro alto das vogais a torto e a direito, como em períodos assim:
  • Não sei se vai pra passar na sua casa hoje.
  • Vou se rola de ir pra festa mais tarde.
  • À noite, vou está em casa.
  • Fulano é fogo! Sabe nem !
Se substituíssemos os verbos por outros com os quais não nos estranhamos, não teríamos problemas. Vejamos que fácil! :)

  • Não sei se vai cair...
  • Vou olhar se rola...
  • À noite, vou dormir em casa.
  • Sabe nem escrever!
Escolhi esses verbos porque normalmente as pessoas não costumam sair acrescentando acentos em "olhá" ou "escrevê", por exemplo. Mas aí, amigos, na dúvida, se o lance é nas redes sociais, joga um "h" no final, que alivia. Bonito não vai ficah, mas pelo menos vai dah pra dah uma tapeah.

-------

Se ainda ficou confuso, aproveito pra socializar uma troca de e-mails que tive com a ABL:


*No e-mail que enviei com "a dúvida", esqueci de observar que, no caso do texto lá do aluno, havia a preposição para e, quando há preposição, não há chance de o verbo estar grafado de outra forma senão no infinitivo: Para fazer as coisas certas /  É hora de comer / Obrigada por deixar os documentos em minha casa.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Um blog de novo, com certeza

Nossos pais nos educam da maneira como acham correta. Transmitem-nos seus valores e, na convivência em sociedade, solidificamos nosso caráter. Mas pra que dizer isso? É que meu pai sempre me disse uma coisa: "Minha filha, não tenha vergonha de usar a inteligência." Não sou um gênio, mas aprendi a não ser hipócrita e falsa modéstia não é algo que combine comigo. Humildade, sim, mas tudo tem limite e, como diz minha mãe, "tudo demais é demasia". Faz mal.

Com a minha pouca modéstia, pois, começo agora este blog.

Não tenho muitas pretensões além de comentar usos frequentes e equivocados de palavras e expressões linguísticas que são, para mim e para uma minoria, um assassinato da língua portuguesa. (Usei o recurso do tachado aqui porque me arrependi do que disse, pois não quero incitar mais preconceito, que não é a minha proposta.)

Para que fique claro, sou a favor da ideia de que a comunicação é a alma do negócio e não venho criticar os de pouco estudo, ok? Esses merecem que eu lhes tire o chapéu, porque se fazem compreender quase sempre. Minha ideia é comentar os equívocos crassos dos que enchem o peito de orgulho e riem dos que dizem "a gente vamos" ou "nós vai", mas ligam para os colegas e perguntam "tu vai pra faculdade hoje?", "tu visse BBB ontem?".

E aqui vamos nós.

DENOVO e CONSERTEZA

O que motivou a escrita deste blog pouco humilde foi o status que vi no Facebook de alguém. Não foi a primeira vez, porque repetidas vezes já vi a expressão "denovo" assim grafada no MSN. Quem conversa comigo por lá sabe que eu não costumo sair corrigindo as pessoas, a não ser que elas me peçam. Aí, se é alguém que sempre me pede correção, ao ver algo grafado de forma esquisita, imediatamente faço o seguinte:

Interlocutor diz:
   Anoca, tô pensando em abrir uma excessão e assistir aquele filme do Jean Claude Van Damme
Ana diz:
   *exceção
Interlocutor diz:
   mas o lance é que eu não sei se ainda tá passando lá no Box
Ana diz:
   oxe, pô! Dá uma ligada lá pro Box e pergunta se ainda tá passando e quais as sessões disponíveis


A situação é hipotética, mas bem corriqueira. Educadamente, destaco, com um asterisco, a correção da expressão grafada em desacordo com a norma. Isso, claro, quando as pessoas me dão essa liberdade. Uma observação é que eu não costumo corrigir outro equívoco, bem menos agressivo para mim, que é o "assistir aquele filme", quando a norma ordena que seja "assistir àquele filme". Paciência, né? Quem conversa comigo sabe que prezo pelos pontos, vírgulas e acentos, mas sou menina que cresceu com a Internet, não nas mesmas proporções, claro, e que atende e entende as necessidades das redes sociais e tenta conversar de maneira natural.

Mas bem. Quando as pessoas não me dão a liberdade do asterisco (não asterístico, por favor), de uma forma ainda mais discreta, eu repito a palavra ou expressão dentro de uma construção minha, que ficaria mais ou menos assim:


Interlocutor diz:
  Anoca, tô pensando em abrir uma excessão e assistir aquele filme do Jean Claude Van Damme
Ana diz:
  Oxe! Tem que abrir exceção pra ver filme, é? Sabia disso não
Interlocutor diz:
  mas o lance é que eu não sei se ainda tá passando lá no Box
Ana diz:
  Deixa de frescura, dá uma ligada lá pro Box, pergunta se ainda tá passando e as sessões disponíveis

Mas nem todos os cidadãos têm esse discernimento e insistem em fechar os olhos, continuando a reproduzir, como um carimbo, expressões como "denovo" e "conserteza".

Então, de maneira bem simples, soltei no meu Facebook:


1 - Se não quer escrever NOVAMENTE, favor escreva "DE NOVO" (duas palavras, locução adverbial). "Denovo" desse jeito assim, juntinho, impedirá qualquer boa repetição.
2 - Já COM CERTEZA é separadinho, do mesmo jeito que "com insegurança" o é.


Não me matem mais, por favor!


Agradeço e obrigada.