sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Substantivos em cima do muro?

Uma das primeiras noções que tento trabalhar com os alunos da 5ª série (6º ano) é a de que substantivos não têm sexo, mas gênero. Em português, comumente subdividimos a classe dos substantivos em masculinos e femininos, mas, do mesmo jeito que há pessoas andróginas, isto é, pessoas cujas características não são marcadamente femininas nem masculinas, ou que têm características consideradas do sexo oposto, há, também, substantivos que são assim "meio confusos", porque são usados só no masculino ou só no feminino, mas podem-se referir tanto a um gênero quanto ao outro. A esses substantivos, damos os nomes de comuns de dois gêneros, sobrecomuns ou epicenos.

Cada uma dessas nomenclaturas anteriormente expostas se refere a grupos de substantivos específicos. Vamos lá?

Comum de dois gêneros
Também conhecido apenas como comum de dois, é o substantivo que não sofre alterações morfológicas, mas que possui os dois valores de gênero (masculino e feminino). A palavra se mantém inalterada independente do gênero a que se refere, mas os seus determinantes/especificadores estarão flexionados no gênero a que se pretende fazer referência.

Exemplos:
  • o estudante / a estudante
  • o artista / a artista
  • o intérprete / a intérprete
  • o jovem / a jovem
  • o musicista / a musicista
Sobrecomum
Os substantivos sobrecomuns são aqueles que não admitem flexão de gênero tanto para o substantivo quanto para os seus determinantes/especificadores.

Exemplos:
  • a pessoa (sempre no feminino, assim como seus determinantes/especificadores)
  • a criança (sempre no feminino, assim como seus determinantes/especificadores)
  • a vítima (sempre no feminino, assim como seus determinantes/especificadores)
  • a testemunha (sempre no feminino, assim como seus determinantes/especificadores)
  • o cônjuge (sempre no masculino, assim como seus determinantes/especificadores)
  • o algoz (sempre no masculino, assim como seus determinantes/especificadores)
    • Pronúncia correta: algôz
  • o indivíduo (sempre no masculino, assim como seus determinantes/especificadores)
Ontem, recebi um e-mail que trazia essa dúvida relativa à palavra cônjuge. Apesar de ficar feio, o correto é mesmo se referir à esposa como o cônjuge, da mesma forma que os homens não serão chamados de o testemunha, o vítima, o criança ou o pessoa, nem as mulheres serão chamadas de a algoz, a indivíduo ou a carrasco. ;)

Epiceno
Os substantivos epicenos se referem aos animais que possuem apenas um gênero gramatical, muito embora esses animais apresentem ambos os sexos. Para escapar de ambiguidades, podemos recorrer às palavras macho ou fêmea.

Exemplos:
  • a cobra (macho ou fêmea)
  • a águia (macho ou fêmea)
  • a onça (macho ou fêmea)
  • o jacaré (macho ou fêmea)
  • o gavião (macho ou fêmea)
*Optando pela aposição de macho ou fêmea, é necessário que o substantivo seja composto por hífen: a cobra-macho, o gavião-fêmea, etc.
**Às vezes, a nomenclatura epiceno também é utilizada para se referir aos substantivos sobrecomuns.
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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Como é que se fala mesmo?

O Brasil é um país de dimensões continentais. Isso todo mundo já sabe. Muitos já sabem, também, que a língua portuguesa falada no nosso país é bastante diferente da falada em Portugal e, também por isso, o último Acordo Ortográfico veio para tentar reduzir as divergências.

Alguns defendem que o nosso português deveria se chamar "brasileiro"; outros dizem que há uma única língua portuguesa falada no Brasil, porém com quase 200 milhões de variantes; outros dizem que há quase 200 milhões de línguas portuguesas faladas no Brasil.

Para o tema de hoje, pouco importa se a língua é uma ou se são várias. O que vale é que existem, sim, variações e variedades linguísticas que, por muitas vezes, costumam confundir algumas pessoas.

Ontem e hoje, duas amigas me questionaram sobre a pronúncia correta de algumas palavras. Para uma, a resposta foi um "tanto faz"; para a outra, um "mais atenção à ortoépia (ou ortoepia)".

Antes de seguir, adianto: ortoépia ou ortoepia é o estudo tradicional e normativo que determina os caracteres fônicos, considerados cultos e relevantes, e a boa pronúncia (Houaiss).

Assim sendo, vamos às dúvidas! :)

Dúvida 1


Por que falam sempre "Rorãima" em vez de "Roráima" na TV, hein? Onde é que esse som está anasalado, por favor? ¬¬ (Joana Braga)

A dúvida de Joana não é só dela. Várias vezes ouço pessoas se queixarem da pronúncia de algumas palavras. No caso de "Roraima", a questão é de variação fonética e já expliquei essa assimilação do traço nasal da consoante subsequente nesta postagem. Assim como "Rorãima" (ou "Rorâima"), há quem fale "Jãime" ou "Jâime". Pode parecer estranho para muita gente, mas é mais ou menos o que acontece com a palavra "muito". Aqui, tanto o U quanto o I sofrem o processo de assimilação do traço nasal da consoante. Por curiosidade, a palavra muito é a única palavra da língua portuguesa em que a vogal (e a semivogal também) assimila a nasalidade de uma consoante posicionada anteriormente a ela. :)

Por sinal, as pessoas estranham "Rorãima", mas ninguém anda falando "andáime" por aí, né?! ;)

Dúvida 2

Estou enfurecida. Subsídio se fala com S, né não? O povo tem uma mania de falar subZídio. Mandei falarem subZolo também. Tô certa ou errada? (Samara Almeida)

Notem que essa minha segunda amiga é um pouco menos tolerante! :) Mas é isso mesmo: subsídio, subsidiar, subsidiado, subsistência, subsidência, etc., pronunciam-se com o som de /s/, ao contrário do que muitos pensam. Há quem pronuncie [subzídio], mas essa pronúncia está equivocada. Se, futuramente, essas palavras ganharão o direito das duas possibilidades, não tenho como prever. Mas, por ora, aquele dito popular de que "a voz do povo é a voz de Deus" não funciona 100% para as questões da gramática normativa, ok? :)

Aproveito a deixa e alerto:
Na palavra gratuito, não há hiato! Em gratuito, temos um ditongo e, por isso, nada de vocês darem ouvidos aos repórteres e pronunciarem gratuíto. Se a palavra fosse gratuíto, o "i" precisaria receber um acento gráfico para indicar a sílaba tônica, visto que o "i" deixaria de ser a semivogal e ganharia o status de vogal, dando origem a uma nova sílaba. ;)

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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Cadê o acento que estava aqui?

Algumas coisas me irritaram bastante nesse Novo Acordo Ortográfico. A queda do trema foi um choque tremendo, mas logo me acostumei à ideia. E esta pobre coitada, a ideia, também me rendeu algum sofrimento, porque o acento agudo que antes existia sobre ela me lembrava sempre aquela imagem da lâmpada que acende quando se tem uma boa ideia. E, agora, cadê!? :(

Mas o que me irrita mesmo é a queda do acento diferencial de "para", que distinguia o verbo da preposição. Em vários contextos, admito, ele é desnecessário, mas e quando a sentença é como esta manchete do portal da Globo.com? "Homem armado para protesto em Salvador". 


A partir dessa construção, é impossível saber se ele pôs fim ao protesto ou se ele se armou com a finalidade de ir ao protesto. Lendo a matéria, descobrimos que ele assustou os manifestantes ao saltar armado do carro. Intimidados, os manifestantes pararam o protesto e abriram espaço para que o homem armado passasse.

Talvez esses contextos confusos sejam minoria, talvez a manchete do portal pudesse ter sido melhor redigida, mas talvez o acento pudesse mesmo ter permanecido. :(

Para quem não estava sabendo:


Antes de o Novo Acordo Ortográfico ser assinado, o verbo parar recebia um acento diferencial no primeiro "a", quando flexionado na 3ª pessoa do singular (ele/ela/você) do presente do indicativo, ou na 2ª pessoa do singular (tu) no modo imperativo. Agora o acento agudo não existe mais para distinguir o verbo e a preposição e confusões como essa da manchete acabaram por se tornar mais fáceis de ocorrer.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Garçom, uma meia muçarela e meia calabresa, por favor!


O Linguageiro ficou mudo porque julho é mês de férias e, se há férias, é tempo de voar para o aconchego da mãe e para os braços do namorado e dos amigos, né? :)

Hoje é segunda-feira e, como quase toda segunda é ingrata por natureza, a postagem de hoje é para chocar uma grande parcela da população brasileira, tanto no que diz respeito às dietas que começam hoje (Oi!?) quanto no que diz respeito ao que muitos andam pedindo por aí nas pizzarias.

Pois é, meu bem, também fiquei chocada quando vi, num livro didático de matemática, a grafia de muçarela. Imediatamente, corri para pedir auxílio a um dicionário e estava lá, grafada com "cê cedilha", a palavra que, para mim, é muito mais saborosa com "SS". :(

Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss, muçarela é o mesmo que mozarela. A grafia mais comum  mussarela é justificável pela origem da palavra, no italiano mozzarella, mas é pouco aceita pelos dicionários da língua portuguesa.

No Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras (VOLP-ABL), as formas registradas são mozarela (aportuguesamento mais próximo da palavra original), muçarela e muzarela. Por enquanto, nada da tão famosa mussarela.
:(
E, aproveitando a deixa, calabresa é grafada com "S", ok? E, também, por um acaso, muçarela é lá sabor de pizza?! :P

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O que vem de baixo não me atinge

Depois de ter postado sobre as diferenças entre debaixo / de baixo / embaixo, lembrei essa expressão tão corriqueira no repertório das pessoas: O que vem de baixo não me atinge. Como a ideia do Linguageiro é abordar coisas do dia a dia (agora, sem hífen), achei que seria legal explicar por que, nessa expressão, o correto é "de baixo".

Para quem prestou atenção à postagem anterior, não deve ser difícil entender, mas a ideia é simples: o verbo "vir" indica a ideia de movimento. Logo, há o movimento de um ponto a outro e, no caso, de baixo para cima. :)

No entanto, pensei se haveria alguma outra possibilidade e, de fato, há! :) Mas atenção! Dizer O que vem debaixo não me atinge implica dizer o local onde vem esse tal "objeto que atinge". Não há, aqui, ideia de movimento, mas de estaticidade. Não é o lugar de onde vem, mas, simplesmente, onde vem.

Ok?! :)

Pensando nisso, lembrei-me de quando eu era pequena: sempre que alguém dizia essa frase, a resposta era automática: "Vá sentar em cima de um formigueiro pra ver!" :)
Coisas de criança! :P

terça-feira, 28 de junho de 2011

De baixo, vai pra cima

Não, ele não morreu! :)
Tenho andado "distraída" com os afazeres domésticos e com os acadêmicos, aí não tive tempo (nem muita paciência) para retomar as ideias daqui. Mil perdões aos leitores assíduos que continuam a visitar a página e a pedir novas postagens.

Mas hoje a minha irmã citou o Linguageiro em um tutorial de maquiagem na página dela lá no Facebook, e isso me fez pensar em por que não escrever agora mesmo, né!? ;)

O ponto que ela comentou foi sobre a palavra "embaixo". Essa palavra me lembra o trio que costuma confundir uma galera relativamente grande na hora de escrever: embaixo / debaixo / de baixo. As três indicam a ideia de lugar, mas as duas primeiras são sinônimas e transmitem uma ideia estática; a terceira, uma ideia de movimento. Como assim?

Embaixo e debaixo indicam que uma coisa está sob outra, isto é, uma está em posição inferior à outra:

O gato está embaixo do guarda-chuva.
O gato está debaixo do guarda-chuva.

A expressão de baixo, apesar de ser muito similar às outras, indica uma ideia de movimento:

Os bons velhinhos vão de baixo para cima nas escadas rolantes.

Essa expressão de baixo indica o movimento de um lugar para outro. Logo, a pessoa se movimenta do lugar inferior para o superior (de baixo para cima).

Aproveito também a oportunidade para lhes dizer que em cima é uma expressão que deve ser grafada separadamente, galera!! EM + CIMA, separadamente! :) Digo isso porque vi, inúmeras vezes, as pessoas grafarem-na da seguinte forma: encima, como se encima fosse o antônimo de embaixo.

Então, para finalizar:

O gato está embaixo / debaixo da mesa.

Agora,
O gato está em cima da mesa.

Por fim,
O gato, em cima da cama, pula de baixo para cima.

Ajudou!? ;)

Observação:
Não tenho predileção pelos gatos, apesar de achá-los fofinhos muitas vezes. As fotos foram escolhidas quase aleatoriamente, mas o critério para a escolha dos gatos foi algo, de fato, sem critério além da demonstração das expressões.

domingo, 5 de junho de 2011

Antes de P e B, só se escreve M

Isso todo mundo aprende ainda pequeno, quando está sendo alfabetizado, mas pouca gente sabe por quê. A explicação é bem simples: p, b e m são consoantes a que chamamos bilabiais, isto é, são consoantes que, para serem proferidas, os lábios precisam-se tocar.

Logo no primeiro período da minha graduação, cursei uma disciplina chamada Linguística I - Fonética e Fonologia. Durante algumas aulas, os alunos ficavam parecendo um bando de loucos articulando consoantes "no ar". :) A questão é que, para a maioria das pessoas, consoantes são bê, cê, dê, efe, gê, etc., ditas dessa forma. O que acontece, na verdade, é que, na faculdade, eu precisava articular apenas as consoantes. Para os leigos, é como se eu "fingisse" fazer o som que faz a consoante, sabe? Finjo que vou dizer "bê" e, antes de pronunciar o "ê", eu me calo. :)

Pra que serve isso?

Quando articulamos as consoantes dessa forma, percebemos suas semelhanças e diferenças quanto à articulação. As semelhanças entre p, b e m, de uma maneira didática, podem ser explícitas da seguinte forma:


Bilabial
Nasal
Vibração das cordas vocais
[p]
+
-
-
[b]
+
-
+
[m]
+
+
+

Mas por que isso interfere na grafia das palavras?
Quem fala inglês entenderá mais facilmente: tomemos como exemplo a palavra comfort (conforto). A pronúncia correta dessa palavra requer a pronúncia do [m], correto? Esse primeiro "o", ao contrário do que a maioria pensa, não tem som de "o", muito  menos de "õ", como supõem muitos falantes do português. Esse primeiro "o" tem um som que fica entre um "ó" (aberto) e um "a" mais fechado, como vocês podem ouvir aqui. Se prestarem bastante atenção a essa pronúncia do Google Tradutor, perceberão que o [m] é, de fato, pronunciado e não nasaliza a vogal anterior a ele.

Assim sendo, na língua inglesa, M pode preceder consoantes que não sejam bilabiais porque será pronunciado como M, não como consoante que apenas nasaliza a vogal anterior. (O mesmo serve para a consoante [n], que, em muitas palavras da língua inglesa, também deve ser articulada e não servirá, na grafia das palavras, como um indicador de nasalidade da vogal.)

Em português, ao contrário, uma consoante [m] (ou [n]) após uma vogal, na mesma sílaba, é sempre para indicar a nasalidade dessa vogal. Em termos de grafia, é o que chamamos de dígrafo, isto é, dois grafemas (letras) para representar um único fonema (som): campo, som, compromisso, canto, menta, conto, etc. O que a ortografia da língua portuguesa tenta, então, é respeitar as regras fonológicas que regem a própria língua, porque essas regras primam pelo menor esforço dos falantes no proferimento dos sons. :)

Viram que nem tudo é tão arbitrário quanto a gente pensa? ;)

Observação:
1 - Quem se interessar mais pelo assunto, pode conferir a página do Centro de Estudos da Fala, Acústica, Linguagem e Música, da UFMG, que traz, de maneira bem didática, uma análise dos sons do português. Lá, é possível ouvir como cada um dos sons da nossa língua são articulados pelo nosso aparelho fonador. Vale a pena! :)